Solenidade da Assunção de Nossa Senhora
Leituras:
1ª leitura – Apocalipse 11,19a; 12,1.3-6a.10ab
2ª leitura – I Coríntios 15,20-27a
Evangelho – Lucas 1,39-56
“A Imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (Papa Pio XII).
Com a Constituição Apostólica Munificentissimus Deus de 01 de novembro de 1950, o Papa Pio XII, proclamou o dogma da Assunção de Maria ao céu em corpo e alma. A Liturgia nos propõe o Evangelho de Lucas 1,39-56, do dia 15 de agosto, que na Igreja no Brasil, é transferida para o domingo, caso o dia próprio não seja domingo.
“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!”
A solenidade hodierna coroa o ciclo das grandes celebrações litúrgicas nas quais somos chamados a contemplar o papel da Bem-Aventurada Virgem Maria na História da salvação. Com efeito, a Imaculada Conceição, a Anunciação, a Maternidade Divina e a Assunção são etapas fundamentais, intimamente ligadas entre si, com que a Igreja exalta e canta o glorioso destino da Mãe de Deus, mas nas quais podemos ler também a nossa história. O mistério da concepção de Maria evoca a primeira página da vicissitude humana, indicando que, no desígnio divino da criação, o homem deveria ter tido a pureza e a beleza da Imaculada. Aquele desígnio, comprometido mas não destruído pelo pecado, através da Encarnação do Filho de Deus, anunciada e realizada em Maria, foi recomposto e restituído à livre aceitação do homem na fé. Finalmente, na Assunção de Maria contemplamos aquilo que somos chamados a alcançar no seguimento de Cristo Senhor e na obediência à sua Palavra, no final do nosso caminho na terra.
A última etapa da peregrinação terrena da Mãe de Deus convida-nos a olhar para o modo como Ela percorreu o seu caminho rumo à meta da eternidade gloriosa.
No trecho do Evangelho há pouco proclamado, São Lucas narra que, depois do anúncio do Anjo, Maria “pôs-se a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha”, para visitar Isabel (Lc 1, 39). Dizendo isto, o evangelista quer sublinhar que para Maria seguir a própria vocação, na docilidade ao Espírito de Deus, que nela realizou a encarnação do Verbo, significa percorrer uma nova vereda e empreender imediatamente um caminho fora da própria casa, deixando-se conduzir unicamente por Deus. Comentando a “pressa” de Maria, Santo Ambrósio afirma: “A graça do Espírito Santo não comporta lentidões” (Expos. Evang. sec. Lucam, II, 19: pl 15, 1560). A vida de Nossa Senhora é conduzida por Outro — “Eis a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38) — é modelada pelo Espírito Santo, é assinalada por acontecimentos e encontros, como aquele com Isabel, mas sobretudo pela relação particularíssima com o seu Filho Jesus. É um caminho em que Maria, conservando e meditando no coração os acontecimentos da própria existência, vislumbra neles de modo cada vez mais profundo o misterioso desígnio de Deus Pai, para a salvação do mundo.
Depois, seguindo Jesus de Belém para o exílio no Egito, na vida escondida e na pública, até aos pés da Cruz, Maria vive a sua ascensão constante a Deus no espírito do Magnificat, aderindo plenamente, também no momento da obscuridade e do sofrimento, ao projeto de amor de Deus e alimentando no coração o abandono total nas mãos do Senhor, de maneira a ser paradigma para a fé da Igreja (cf. Lumen gentium, 64-65).
Toda a vida é uma ascensão, a vida inteira é meditação, obediência, confiança e esperança, mesmo nas obscuridades; e toda a vida é esta “pressa sagrada”, que sabe que Deus é sempre a prioridade, e nada mais deve causar pressa na nossa existência.
E finalmente, a Assunção recorda-nos que a vida de Maria, como a de cada cristão, é um caminho no seguimento, na sequela de Jesus, um caminho que tem uma meta específica, um futuro já traçado: a vitória definitiva sobre o pecado e sobre a morte, e a comunhão plena com Deus, porque — como diz Paulo na Carta aos Efésios — o Pai “nos ressuscitou e nos fez sentar lá nos Céus, em Jesus Cristo” (Ef 2, 6). Isto quer dizer que com o Batismo, fundamentalmente, já ressuscitamos e estamos sentados nos Céus em Jesus Cristo, mas corporalmente temos que completar aquilo que já foi começado e realizado no Batismo. Em nós, a união com Cristo, a ressurreição, está incompleta, mas para a Virgem Maria ela é completa, não obstante o caminho que também Nossa Senhora pôde percorrer. Ela entrou na plenitude da união com Deus, com o seu Filho, e atrai-nos e acompanha-nos no nosso caminho.
Então, em Maria que subiu aos céus nós contemplamos Aquela que, por um privilégio singular, com a alma e com o corpo, se tornou partícipe da vitória definitiva de Cristo sobre a morte. “Terminando o curso da sua vida terrena — diz o Concílio Vaticano II — foi levada à glória celeste em corpo e alma, e exaltada pelo Senhor como Rainha do Universo, para que se parecesse mais com o seu Filho, Senhor dos Senhores” (cf. Ap 19, 16) e vencedor do pecado e da morte” (Lumen gentium, 59). Na Virgem da Assunção ao céu contemplamos a coroação da sua fé, daquele caminho de fé que Ela indica à Igreja e a cada um de nós: Aquela que em cada momento acolheu a Palavra de Deus, subiu ao céu, ou seja, Ela mesma foi acolhida pelo Filho naquela “morada”, que nos preparou com a sua morte e ressurreição (cf. Jo 14, 2-3).
A vida do homem na terra — como nos recordou a primeira leitura — é um caminho que se realiza, constantemente, na tensão da luta entre o dragão e a mulher, entre o bem e o mal. Esta é a situação da história humana: é como uma viagem num mar frequentemente borrascoso; Maria é a estrela que nos orienta para o seu Filho Jesus, “Sol nascido acima das trevas da história” (cf. Spe salvi, 49) e concede-nos a esperança de que temos necessidade: a esperança de que podemos vencer, que Deus venceu e que, com o Batismo, entramos nesta vitória. Não sucumbimos definitivamente: Deus ajuda-nos e guia-nos. Esta é a esperança: esta presença do Senhor em nós, que se torna visível em Maria que subiu ao céu. “Nela (…) — leremos daqui a pouco no Prefácio desta Solenidade — fizestes resplandecer para o vosso povo peregrino sobre a terra, um sinal de consolação e de esperança segura”.
Com São Bernardo, místico cantor da Virgem Santa, assim a invocamos: “Suplicamos-te, ó bendita, pela graça que Tu encontraste, por aquelas prerrogativas que Tu mereceste, pela Misericórdia que Tu deste à luz, faz com que Aquele que por ti se dignou tornar-se partícipe da nossa miséria e enfermidade, graças à sua intercessão, nos torne partícipes das suas graças, da sua bem-aventurança e da sua glória eterna, Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que está acima de todas as coisas, Deus bendito nos séculos dos séculos. Amém” (Sermo 2 de Adventu, 5: pl 183, 43).
(Homília do Papa Bento XVI, 15 de agosto de 2009)