Mensagem do Bispo Dom Antonio para as Eleições Políticas de 2022

Acredito que essa reflexão oferecido ao eleitorado italiano seja estímulo e reflexão também para o eleitorado brasileiro

Mensagem do Bispo Dom Antonio para as Eleições Políticas de 2022

 

Caro fiéis,

Bem ciente de que uma intervenção sobre a questão eleitoral suscitará inexoravelmente algumas críticas e polemicas, especialmente por parte daqueles – mesmo na Igreja – que acreditam que o tema não deve sequer ser tocado pela solicitação pastoral, faltarei a um chamado da minha consciência se não o fizesse.

E assim, aqui estou!

Escrevo não com atitude de propaganda eleitoral, que não me compete, mas sim com a responsabilidade, com vontade de partilhar sugestões e referências relativas às questões decisivas e basilares.

Ninguém escapa de quão delicada é a situação e consequentemente qual é a extensão da responsabilidade que a próxima votação eleitoral comporta em ordem à pacificação coletiva, estabilidade das instituições governamentais, justiça social, emprego e recuperação econômica e principalmente das questões éticas.

Em primeiro lugar tenho de apelar ao dever moral e cívico de manifestar a própria preferência em ordem ao futuro da nossa nação, não permitindo que a abstenção de qualquer origem gere uma espécie de “delegação” irresponsável.

O cenário político decorrente das diversas coalizões tem sofrido uma evolução constante e rápida em relação às urgências de mudança e – infelizmente – em muitos casos vinculada mais à busca de consensos e resultados do que a visões coerentes e orgânicas.

O objeto da minha intervenção não são certamente questões contingentes, legitimamente imputáveis a convicções e teorias de livre opinião e determinação: neste contexto, os católicos devem avaliar conscientemente a visão do homem, da vida e da sociedade expressa e promovida pelas muitas propostas.

Todavia, “se é legítimo pensar no uso de uma pluralidade de metodologias, que refletem diferentes sensibilidades e culturas, nenhum crente pode apelar ao princípio do pluralismo e da autonomia dos leigos na política, favorecendo soluções que comprometam ou atenuem a salvaguarda das exigências éticas fundamentais para o bem comum da sociedade.

Não se trata de “valores confessionais”, pois esses requisitos éticos estão enraizados no ser humano e pertencem à lei moral natural. Eles não exigem a profissão de fé cristã daqueles que os defendem, ainda que a doutrina da Igreja os confirme e tutele sempre e em toda parte como um serviço desinteressado à verdade sobre o homem e ao bem comum das sociedades civis. Por outro lado, não se pode negar que a política deve referir-se também a princípios dotados de valor absoluto precisamente porque estão ao serviço da dignidade da pessoa e do verdadeiro progresso humano (Congregação para a Doutrina da Fé, Nota Doutrinária sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002, n.5).

É importante para mim, reiterar que os católicos não podem sustentar com seu voto – muito menos com militância política direta – candidatos, partidos, programas e propostas em contraste com os chamados e famosos “valores inegociáveis” e os princípios fundamentais da doutrina Católica acerca da  moral, como questões relacionadas à dignidade da pessoa, vida, família e diversas questões antropológicas.

“Não é tarefa da Igreja formular soluções concretas – e muito menos soluções únicas – para questões temporais que Deus deixou ao livre e responsável julgamento de cada um, ainda que seja seu direito e dever pronunciar julgamentos morais sobre realidades temporais quando isso for exigido pela fé ou pela lei moral. Se o cristão é obrigado a “admitir a legítima multiplicidade e diversidade de opções temporais”, ele é igualmente chamado a divergir de uma concepção de pluralismo em chave do relativismo moral, nociva à própria vida democrática, que precisa de fundamentos  verdadeiros e sólidos, isto é, de princípios éticos que, por sua natureza e seu papel como fundamento da vida social, não são “negociáveis” (Congregação para a Doutrina da Fé, Nota Doutrinária sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002, n.3).

Por isso, exorto cada católico a examinar e avaliar programas e candidatos à luz das considerações anteriores, evitando endossar em nome de uma genérica “bondade geral da proposta ou da visão política” posições incompatíveis com a doutrina católica: exigências éticas irrenunciáveis em matéria de aborto e de eutanásia, no que diz respeito aos direitos do embrião humano, nos âmbitos relativos à família e à educação dos menores.

Não pode e não deve escapar que alguns programas eleitorais propostos para consulta em 25 de setembro estão em absoluto contraste com a doutrina católica e com a Igreja pela presença de pontos como, por exemplo, as instâncias de ideologia de gênero, suicídio assistido ou eutanásia, o chamado reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres (esta última expressão muitas vezes significa o apoio e difusão da prática do aborto e o combate à objeção de consciência por médicos e enfermeiros): tais argumentos exigem uma objetividade de avaliação moral e, por parte do católico, não pode ser avaliada em relação a parâmetros acessórios dependendo da contingência das situações ou da consideração subjetiva de um hipotético “mal menor”.

Outras questões – também relevantes do ponto de vista do juízo de consciência – permitem, ao invés, ser moduladas segundo critérios ligados a circunstâncias concretas, complexidade do sistema e perspectiva gradual.

“Nesse contexto, é necessário acrescentar que a consciência cristã bem formada não permite que ninguém favoreça com seu voto a implementação de um programa político ou de uma lei única em que os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos pela apresentação de propostas alternativas ou contrárias a tais conteúdo.

Sendo a fé uma unidade inseparável, não é lógico isolar apenas um de seus conteúdos em detrimento da totalidade da doutrina católica. O compromisso político com um aspecto isolado da doutrina social da Igreja não é suficiente para esgotar a responsabilidade pelo bem comum.

Nem pode um católico pensar em delegar a outros o compromisso que vem do Evangelho de Jesus Cristo para que a verdade sobre o homem e o mundo possa ser anunciada e alcançada”. (Congregação para a Doutrina da Fé, Nota Doutrinária sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002, n.4).

A situação pode parecer muito complicada de decifrar, mas na realidade é muito simples de compreender por uma perspectiva capaz de se aliviar um pouco dos jogos de conveniência e equilíbrios determinados por uma espécie de sistema supranacional agressivo e resistente, ávido por se impor mais e mais e para inibir a dissidência.

A fé católica sempre foi capaz de gerar civilizações e deve continuar a fazê-lo; não deve limitar-se a um elemento funcional da cultura política secular, mas, ao contrário, deve ser decisivo para estabelecer uma visão própria e alternativa. O católico deve ter cuidado com a suspeita e parcial convergência com a fé em alguns valores humanos presumidos: poderia ser um erro decorrente de um humanismo míope adulterado, desprovido de transcendência e fracamente fundamentado no perfil antropológico.

Aos crentes engajados na política digo que o católico acredita no valor do testemunho e, mais ainda, na providência divina, capaz de fazer frutificar a menor e mais indefesa semente.

Não esqueçamos que uma grande fortuna nasce de alguns centavos, uma avalanche às vezes de modestas quantidades de neve e que, sempre na história, as grandes e duradouras mudanças da civilização foram preparadas e produzidas não pelo uso de enormes recursos, mas por coragem tenaz de homens honestos e livres.

No livro de Siracide está escrito assim: “Lute até a morte pela verdade e o Senhor Deus lutará por ti“.

Abençoo de coração, implorando a nossa amada nação por paz, prosperidade e justiça.

San Remo, 3 de setembro de 2022.

Memória de São Gregório Magno, Papa

Antonio Suetta, Bispo de Ventimiglia – San Remo