SUICÍDIO DE PADRES NO BRASIL

SUICÍDIO DE PADRES NO BRASIL

 O suicídio de padres no Brasil tornou-se uma questão preocupante.

No dia 1º de fevereiro, entre os bancos da igreja de São Sebastião, em Surubim (Pernambuco), foi encontrado o corpo sem vida do padre Geraldo de Oliveira, 77, ao lado de uma garrafa e uma carta na qual declarou que se sentia desprezado por sua comunidade.

O bispo da diocese de Nazaré da Mata, Dom Francisco de Assis, expressou solidariedade “com sua família, o clero, a paróquia de São Sebastião de Surubim e o povo de Deus“, salientando que este é um “momento de grande dor“. “Como seguidores de Jesus, do Caminho, da Verdade e da Vida, acreditamos na vida eterna e na superioridade do amor de Deus, a quem louvamos este nosso irmão, confiando-lhe também as orações de todos os nossos diocesanos“, acrescentou.

Só em 2021 e neste início de 2022, há pelo menos 10 casos confirmados de suicídio de padres no Brasil.

Em novembro de 2021, um comentário sobre a gravidade desse problema e sobre a falta de acompanhamento e apoio aos padres em seus momentos de maior fragilidade emocional teve grande repercussão no país.

Sobre o caso mais recente de suicídio de um padre, o bispo de Barretos (São Paulo), Dom Dom Milton Kenan Junior, escreveu uma mensagem aos padres em que registra que há membros do clero que, em sua opinião, tendem a “desprezar, ignorar, boicotar… porque esse irmão não pensa como eu, porque o outro ousa ser diferente“.

Sem justificar o ato desesperado e extremo de acabar com suas vidas, o bispo declarou que muitos cometem suicídio “porque não encontraram alguém para se sentar com eles para ouvi-los; porque eles não encontraram ninguém para olhar para eles sem julgá-los. O prelado exortou os padres a mudar esse cenário para evitar a multiplicação de casos como os de Pe. Geraldo, que segundo o bispo após 50 anos de sacerdócio buscou dignidade na morte por conta própria“.

padres desencantados, diáconos e bispos; homens que não se sentem mais atraídos por nada ou ninguém, neste caso para Cristo”. O padre, doutor em Teologia Moral, acrescenta, de acordo com material do site gaudiumpress , que “para muitos fazer parte do clero é muito mais do que um problema, um dilema. Homens capazes de pensar e refletir, mas incapazes de decidir. Aqueles que não sabem como decidir perdem o horizonte do que é fundamental e chegam a um ponto onde situações inesperadas os absorvem, simplesmente tornando-os  pessoas que vivem de acordo com as decisões dos outros“. Entre essas “decisões de outros” há situações que vão desde casos de falsa vocação, induzidos sem discernimento grave e responsável por parte dos familiares ou mesmo formadores no seminário, até pressões desproporcionais ligadas não apenas à vida sacramental dos fiéis, mas também a questões administrativas sem estrutura de apoio. Também não podemos ignorar as situações cada vez mais frequentes de injustiça flagrante resultantes de falsas acusações de abuso sexual ou moral. Tornou-se preocupantemente comum generalizar contra a totalidade do clero como se todos fossem predadores abomináveis, quando a maioria dos padres não têm culpa ou corresponsabilidade pelos crimes hediondos perpetrados por uma minoria de criminosos em tonaca.

Embora o acúmulo de casos de suicídio de padres tenha sido particularmente chocante em 2021 e os sinais de alerta permaneçam intensos em 2022, não é um fenômeno recente na Igreja Brasileira.

Em novembro de 2016, por exemplo, uma sequência de três suicídios em um período de apenas 15 dias chamou a atenção da mídia. Padre Ligivaldo dos Santos, de Salvador, se jogou de um viaduto aos 37 anos. Rosalino Santos, de Corumbá, tinha 34 anos quando postou no Facebook uma foto de quando era criança, com lendas como “dei o meu melhor” e “Ilumine-me, Senhor” – dois dias depois foi encontrado enforcado. Pouco depois, o terceiro padre brasileiro a encerrar sua vida foi o pároco Renildo Andrade Maia, de Contagem; ele tinha apenas 31 anos.

Na ocasião, o psicólogo Ênio Pinto, autor do livro Os Padres em Psicoterapia, apontou que “a vida religiosa não dá superpoderes aos padres, que são falíveis como cada um de nós. Em muitos casos, a fé pode não ser forte o suficiente para superar tempos difíceis.” Ênio sabe o que está dizendo, já que trabalhou por muitos anos no Instituto Terapêutico Acolher, em São Paulo, fundado em 2000 justamente para oferecer assistência a padres, freiras e leigos a serviço da Igreja.

A mesma visão foi compartilhada pelo psicólogo William Pereira, autor do livro Sofrimento Psíquico dos Presbíteros. Em sua opinião, “o grau de necessidade da Igreja é muito alto: espera-se que o padre seja, pelo menos, um modelo de virtude e santidade. Qualquer deslize, por menor que seja, torna-se objeto de crítica e julgamento. Por medo, culpa ou vergonha, muitos preferem se matar ao invés de pedir ajuda.”

Já na época, o excesso de trabalho, a falta de lazer e a perda de motivação foram apontados como possíveis fatores para o suicídio de padres no Brasil.

Uma pesquisa realizada em 2008 pela organização Isma Brasil, destinada a estudar e tratar o estresse, indicou que a vida sacerdotal foi uma das mais estressantes: dos 1.600 padres e freiras entrevistados naquele ano, 448 (28%) disseram estar “emocionalmente exaustos“, percentual superior ao dos policiais (26%), gerentes (20%) e motoristas de ônibus (15%). De acordo com a psicóloga que coordena essa pesquisa, Ana Maria Rossi, os padres diocesanos são mais propensos a sofrer de estresse do que religiosos que vivem em claustro. Na opinião dele, um dos fatores mais estressantes é “a falta de privacidade. Não importa se os padres estão tristes, cansados ou doentes. Eles devem estar disponíveis para os fiéis 24 horas por dia, 7 dias por semana.”

Uma realidade muito distante da “vida tranquila” que os desinformados atribuem levemente ao clero em geral. O cotidiano da maioria dos padres é repleto de celebrações de batizados, casamentos, unção dos doentes, escuta de confissões e um grande número de atividades pastorais que incluem iniciativas logisticamente complexas de caridade e ação social com os necessitados, além da celebração diária da Santa Missa, orações pessoais ou comunitárias e horários dedicados ao estudo – sem contar os casos em que o padre ensina e auxilia os fiéis na direção espiritual, ouvindo e dando conselhos em casos muitas vezes extremamente graves.

É apropriado lembrar aos leitores católicos que é um dever cristão desejar o bem das almas – e isso inclui as almas dos padres, religiosos, seminaristas, freiras e leigos consagrados. Todos eles contam com uma graça especial de Deus, é verdade, mas Deus sempre deixou claro que confia a aceitação de Sua graça à nossa liberdade, inteligência e caridade: todos devemos fazer nossa parte, para nós mesmos e para os outros, ajudando-os especialmente quando eles estão sobrecarregados e precisando de nossa fraternidade.

Deve-se tomar cuidado especial para não se entregar a julgamentos injustos com base na visão imatura de que “o que falta a esses padres é a vida da oração“. Em alguns casos pode ser verdade, mas generalizar é errado, e essa generalização reducionista pode se tornar um pecado de calúnia ou pelo menos calúnia. Mesmo as pessoas que vivem intensamente a fé e uma espiritualidade sólida estão sujeitas à exaustão física e à necessidade de ajuda.

Julgando menos e ajudando mais, viveremos de forma mais consistente o cristianismo que dizemos que professamos e que amamos tanto exigir dos outros.