RESISTÊNCIA E DESOBEDIÊNCIA.

RESISTÊNCIA E DESOBEDIÊNCIA

Ao ler as “Responsa ad Dubia” recentemente publicado pela Congregação para O Culto Divino, pergunta-se em que níveis baixos a Cúria Romana poderia descer, ter que apoiar Bergoglio com tamanha servilidade, em uma guerra cruel e implacável contra a parte mais dócil e fiel da Igreja. Nunca, nas últimas décadas de crise muito grave na Igreja, a autoridade eclesiástica mostrou-se tão determinada e severa: não o fez com os teólogos heréticos que infestam as pontifícias universidades e seminários; não o fez com os clérigos e prelados fornicadores; não fez isso em punição exemplar nos escândalos de Bispos e Cardeais. Mas contra os fiéis, padres e religiosos que só pedem para poder celebrar a Santa Missa Tridentina, nenhuma piedade, nenhuma misericórdia, nenhuma inclusividade. Irmãos todos?

Nunca como neste “pontificado” o abuso de poder da autoridade tem sido perceptível, nem mesmo quando dois mil anos de Lex Orandi foram sacrificados por Paulo VI no altar do Vaticano II, impondo à Igreja um rito tão equívoco quanto hipócrita. Essa imposição, à qual correspondia à proibição de celebrar no rito antigo e à perseguição dos dissidentes, tinha pelo menos o álibi da ilusão de que uma mudança talvez levantasse o destino do catolicismo diante de um mundo cada vez mais secularizado. Hoje, após 50 anos de imensos desastres e quatorze anos de Summorum Pontificum, essa justificativa fraca não só não é mais válida, como é repudiada em sua inconsistência pela evidência dos fatos. Tudo o que o Concilio trouxe novamente se mostrou prejudicial, esvaziou igrejas, seminários e conventos, destruiu vocações eclesiásticas e religiosas, drenou todos os impulsos espirituais, culturais e civis dos católicos, humilhou a Igreja de Cristo e confinou-a às margens da sociedade, tornando-a patética em sua tentativa desajeitada de agradar ao mundo. E vice-versa, desde que Bento XVI tentou curar esse vulnus reconhecendo os direitos plenos da liturgia tradicional, as comunidades ligadas à missa de São Pio V se multiplicaram, os seminários dos Institutos Eclesia Dei cresceram, as vocações aumentaram, a frequência dos fiéis aumentou, a vida espiritual de muitos jovens e muitas famílias encontrou um impulso inesperado.

Que lição deveria ter sido tirada dessa “experiência da tradição” invocada na época também por Dom. Marcel Lefebvre? O mais evidente e ao mesmo tempo mais simples: o que Deus deu à Igreja está destinado ao sucesso, e o que o homem adiciona a ela colapsa miseravelmente. Uma alma não cegada pela fúria ideológica teria admitido o erro cometido, tentando reparar o dano e reconstruir o que havia sido destruído nesse meio tempo, para restaurar o que havia sido abandonado. Mas isso requer humildade, um olhar sobrenatural e uma confiança na intervenção providencial de Deus. Isso também requer a consciência por parte dos Pastores de que eles são administradores dos bens do Senhor, e não mestres: eles não têm o direito de alienar seus bens, ou de escondê-los ou substituí-los por suas próprias invenções; eles devem limitar-se a guardá-los e torná-los disponíveis para os fiéis, sine glossa, e com o pensamento constante de ter que responder diante de Deus para cada ovelha e cada cordeiro em Seu rebanho. O apóstolo admoestar: “Hic jam quæritur inter dispensatores, ut fidelis quis inveniatur“(I Cor 4:2), “o que é exigido dos administradores é que eles sejam fiéis“.

Os Responsa ad Dubia são coerentes com Traditionis custodes, e explicitam a natureza subversiva destepontificado“, no qual o poder supremo da Igreja é usurpado para obter um propósito diametralmente oposto àquele porquê Nosso Senhor constituiu em autoridade os Pastores Sagrados e Seu Vigário na Terra. Um poder indócil e rebelde para Aquele que o instituiu e que o legitima, um poder que se acredita ser fide solutus, por assim dizer, de acordo com um princípio intrinsecamente revolucionário e, portanto, herético. Não esqueçamos: a Revolução reivindica a si mesma um poder que se justifica pelo simples fato de ser revolucionário, subversivo, conspiratório e antitético ao poder legítimo que pretende derrubar; e que assim que chega a cobrir papéis institucionais é exercido com autoritarismo tirânico, precisamente porque não é ratificado nem por Deus nem pelo povo.

Permita-me apontar um paralelo entre duas situações aparentemente desconectadas. Como na presença da pandemia, tratamentos eficazes são negados, com a imposição de uma “vacina” inútil, de fato prejudicial e até letal; assim, a Santa Missa Tridentina, verdadeira medicina da alma em um momento de grave praga moral, é negada aos fiéis, substituindo-a pelo Novus Ordo. Os médicos do corpo falham em seu dever, mesmo na presença de terapias, e impõem tanto ao doente quanto ao saudável um soro experimental, e insistem em administrá-lo apesar das evidências de total ineficácia dos efeitos adversos. Da mesma forma, padres, médicos da alma, traem seu mandato, mesmo na presença de um fármaco infalível testado há mais de dois mil anos, e fazem de tudo para evitar que aqueles que experimentaram sua eficácia possam usá-lo para curar-se do pecado. No primeiro caso, as defesas imunológicas do corpo são enfraquecidas ou canceladas para criar pessoas doentes crônicos à mercê de empresas farmacêuticas; no segundo caso, as defesas imunológicas da alma são comprometidas por uma mentalidade mundana e pelo cancelamento da dimensão sobrenatural e transcendente, de modo a deixar as almas indefesas diante das agressões do diabo. E esta é uma resposta àqueles que afirmam enfrentar a crise religiosa sem considerar a crise social e política em paralelo, porque é precisamente essa duplicidade de ataque que a torna tão terrível e que revela sua única mente criminosa.

Não quero entrar no mérito dos delírios das Responsa: basta saber a ratio legis para rejeitar Traditionis custodes como um documento ideológico e partidário, elaborado por pessoas vingativas e intolerantes, cheias de ambições e erros canônicos grosseiros, com a intenção de proibir um rito canonizado por dois mil anos de Santos e Pontífices e impor um espúrio, copiado pelos luteranos e remendado pelos modernistas, que em cinquenta anos causou um imenso desastre ao corpo eclesial e que, precisamente por causa de sua eficácia devastadora, não deve conhecer derrogação. Não há apenas culpa: há também a má conduta intencional e a dupla traição do divino Legislador e dos fiéis.

Bispos, padres, religiosos e leigos encontram-se mais uma vez tendo que fazer uma escolha de campo: ou com a Igreja Católica e sua doutrina de dois mil anos imutável, ou com a Igreja Conciliar e Bergogliana, com seus erros e seus ritos secularizados. E isso acontece em uma situação paradoxal em que a Igreja Católica e sua falsificação coincidem na mesma Hierarquia, à qual os fiéis sentem que devem obedecer como uma expressão da autoridade de Deus e, ao mesmo tempo, devem desobedecer como traidoras e rebeldes.

Claro, não é fácil desobedecer ao tirano: suas reações são impiedosas e cruéis; mas perseguições muito piores foram aquelas que tiveram que sofrer ao longo dos séculos os católicos que se viram tendo que enfrentar o arianismo, a iconoclastia, a heresia luterana, o cisma anglicano, o puritanismo de Cromwell, o secularismo maçônico da França e do México, o comunismo soviético, da Espanha, Camboja, China … Quantos bispos e padres martirizados, presos, exilados. Quantas religiosas massacradas, quantas igrejas profanaram, quantos altares foram destruídos. E por quê? Porque os Ministros Sagrados não queriam renunciar ao tesouro mais precioso que Nosso Senhor nos deu: a Santa Missa. A Missa que Ele ensinou aos Apóstolos para celebrar, que os Apóstolos transmitiram aos seus sucessores, que os Papas guardavam e restauravam e que sempre esteve no centro do ódio infernal dos inimigos de Cristo e da Igreja. Pensar que aquela Santa Missa, para a qual os missionários enviados para terras protestantes ou os padres presos nos gulags soviéticos arriscaram suas vidas, aquela Santa Missa é hoje proibido pela Santa Sé e isto é causa de dor e escândalo, bem como uma ofensa aos Mártires a aquela Missa defenderam até o último suspiro. Mas essas coisas só podem ser entendidas por aqueles que acreditam, aqueles que amam, aqueles que esperam. Só para aqueles que vivem por Deus.

Aqueles que se limitam a expressar reservas ou críticas a Traditionis custodes e aos Responsa caem na armadilha do adversário, porque reconhecem a legitimidade de uma lei ilegítima e inválida, querida e promulgaram para humilhar a Igreja e seus fiéis, apesar dos “tradicionalistas” que se atrevem nada menos do que se opor às doutrinas heterodoxas condenadas até o Vaticano II, e por ele feito próprias e hoje louvadas no pontificado Bergogliano. Traditionis custodes e Responsa devem serem simplesmente ignoradas, rejeitadas e enviadas ao remetente. Elas devem ser ignoradas porque é claro a vontade de punir os católicos que permanecem fiéis, dispersá-los, fazê-los desaparecer.

Contínuo consternado com a servilidade de tantos Cardeais e Bispos, que, a fim de agradar Bergoglio, pisoteiam os direitos de Deus e das almas confiadas a eles e que têm o mérito de mostrar sua aversão à Liturgia “pré-conciliar“, considerando-se dignos de louvor público e aprovação do Vaticano. As palavras do Senhor são dirigidas a eles: “Vocês se consideram justos diante dos homens, mas Deus conhece seus corações: o que é exaltado entre os homens é algo detestável diante de Deus” (Lc 16:15).

A resposta coerente e corajosa a um gesto tirânico de autoridade eclesiástica deve ser resistência e desobediência a uma ordem inadmissível. Renunciar a aceitar essa enésima opressão significa adicionar outro precedente à longa série de abusos até então tolerado, e com a própria obediência servil tornando-se responsável por manter um poder para seu próprio bem.

É necessário que os Bispos, sucessores dos Apóstolos, exerçam sua autoridade sagrada, em obediência e fidelidade à Cabeça do Corpo Místico, para pôr fim a este golpe eclesiástico que ocorreu diante de nossos olhos. Isso é exigido pela honra do Papado, hoje exposto ao descrédito e humilhação por aquele que ocupa o Trono de Pedro. Isso é exigido pelo bem das almas, cuja salvação é a lex suprema da Igreja. Isso é exigido pela glória de Deus, respeito a quem nenhum compromisso é tolerável.

O Arcebispo Polonês Dom Jan Paweł Lenga disse que é hora de uma contrarrevolução católica, se não queremos ver a Igreja afundar sob as heresias e vícios de mercenários e traidores. A promessa do non prævalebunt não exclui nem um pouco, aliás, pede e exige uma ação firme e corajosa não apenas por parte dos bispos e padres, mas também dos leigos, que são tratados como nunca antes como súditos, apesar dos apelos fátuos à actuosa participatio  e seu papel na Igreja. Vamos tomar nota: o clericalismo atingiu seu auge sob o “pontificado” daquele que hipocritamente não faz nada além de estigmatizá-lo.

+ Carlo Maria Viganò, Arcebispo