As Pessoas comuns e o Conclave
AS PESSOAS COMUNS E O CONCLAVE
O que está acontecendo nestes dias a respeito do próximo Conclave indica uma novidade absoluta na relação entre Igreja e mundo. Um fenômeno nunca registrado em sua forma atual, capaz de poder transformar a mentalidade de todos, seja dos prelados mais expertos do Vaticano seja dos estudiosos de fenômenos religiosos.
A opinião pública invade hoje, como nunca antes, os assuntos mais delicados e reservados da Igreja Católica, como a eleição de um novo Pontífice, que durante séculos foi certamente influenciada pelo poder político da época, mas que parece ainda entrar a fazer parte dessa misteriosa relação entre o Céu e a Terra, que prevê a intervenção do Espírito Santo.
Essa convicção não é apenas dos católicos mais ortodoxos, mas também é encontrado em alguns espíritos leigos, que assim explicam a duração bimilenária do barco do Pedro e o porquê, de vez em quando, da fumaça branca da Capela Sistina, surgirem grandes figuras capazes de subverter os jogos e as previsões do Palácio Apostólico e dar nova vida a uma nova instituição de longos anos. Daí a idéia de que é Deus de algum modo que governa a história da sua Igreja, além das inevitáveis limitações humanas dos seus mais altos expoentes. Algo parece se ter quebrado ou alterado neste imaginário coletivo que tem acompanhado a história do catolicismo no curso da história.
Hoje, os cardeais que chegam em Roma para eleger o sucessor do Papa Bento XVI não consideram somente a “volta sagrada”, mas percebem profundamente as pressões de uma opinião pública que, em vários níveis, intervém e diz o seu parecer a respeito da melhor “identikit” do novo Papa. Tudo é bastante paradoxal no atual momento histórico, uma época em que a Igreja de Roma vive – como outras grandes instituições religiosas – as suas dificuldades de presença em um mundo no qual, inteiras camadas da população atuam como “se Deus não existisse”, ou em que, parte dos mesmos católicos, cultiva sua religiosidade, quase às margens da Igreja ou tendo com Ela uma relação ambivalente e controversa.
A secularização das consciências continua. Muitos são críticos a respeito de uma Igreja que parece muito arcaica para as sensibilidades modernas, ou sob o peso de escândalos e divisões que a igualam a qualquer outra formação humana.
Que peso dar a esta opinião pública, que tende a interferir em assuntos que não entende completamente, lê as dinâmicas eclesiais condicionadas pela lente profana da mídia, decide sobre a vida da Igreja, embora prestando pouca atenção à natureza e às regras desta instituição.
Questões estas que refletem o pensamento de muitos cardeais, como aconteceu recentemente com o anátema lançado pela Secretaria de Estado do Vaticano contra os meios de comunicação do mundo inteiro, acusados de tentar influenciar o Conclave.
Como se dissesse: deixem-nos trabalhar em paz, porque não somos uma agência como todas as outras, é o Espírito Santo que cuida de nós.
A opinião pública, porém, mesmo pouco sintonizada com os cânones e as regras eclesiásticas que, dez anos atrás, ficou comovida por um Papa Wojtyla que não queria descer da cruz de seu pontificado, agora admira profundamente o Papa Ratzinger que – na frente do mundo inteiro – abdica do trono de Pedro por “falta de força”. Uma opinião pública, portanto, que reconheceu a rica humanidade de ambos, e – além de qualquer mal-entendido – ela recebeu a mensagem de que a força da Igreja emerge da sua fraqueza, em estreita proximidade com as pessoas comuns, sendo uma comunidade exemplar, oferecendo a todos, palavras de esperança e de salvação eterna.
É a necessidade de grandes gestos e sinais que levou muitos (inclusive os não crentes) a interessar-se pelos eventos do Centro do catolicismo, pois estamos agora em um mundo sem fronteiras, onde se está à procura de certezas e seguranças de qualquer parte de onde provenha.
Eis o porquê da intromissão de muitos nos assuntos da igreja. Está aqui a mensagem ao Conclave.
A Igreja deve temer mais a indiferença do que a indignação, mais o silêncio do que a atenção não inteiramente correta e adequada. Porque isso significa que ainda hoje existe espera por parte de muitas pessoas para com a Igreja. Talvez uma espera exagerada, típica daqueles que não dão nenhum desconto a quem dirige o Palácio Apostólico, enquanto são muito indulgentes para consigo próprios, que se indignam pelo não rigor dos outros do que pelo seu não rigor consigo próprio. Todavia, o querer uma Igreja limpa e transparente (como solicitado pelo Papa Ratzinger), que não reflete suas disputas internas como acontece no mundo profano, é uma grande prova de consentimento para esta instituição antiga. A conversa, embora não sempre apropriada, não deve assustar.
O Espírito Santo não vai certamente ter um papel secundário em todos estes acontecimentos. Mas pode também manifestar-se nas esperas mais puras que provêm de uma opinião pública que está à procura de pontos e de referencias alicerçadas sobre a “rocha”.
Fotos: Divulgação