A LUTA CONTRA AS PAIXÕES PARA CONFIGURAR-SE AO CRISTO
Partindo da seguinte pergunta: Por que deve o homem vencer suas paixões, que são inclinações que brotam espontaneamente de seu íntimo e que não derivam de sua vontade livre?
Para tentar responder esta pergunta, devemos partir de uma constatação básica. A antropologia bíblica e cristã, parte de duas afirmações fundamentais: 1ª – o homem e toda criação natural, é fruto da ação livre e amorosa de Deus e, como tal, é fundamentalmente bom. Vemos no livro do Gênesis que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, o que faz ter algo de sua perfeição e grandeza e lhe confere uma dignidade inalienável. Assim sendo, é contrária à antropologia cristã toda concepção que desvaloriza ou desqualifica o homem, mesmo que seja apenas em sua esfera corpórea ou material. 2ª – Vemos também na Sagrada Escritura que o homem pecou no início e, desta forma, introduziu a corrupção em sua natureza, e a partir do pecado, traz em si uma desordem e uma inclinação para o mal. Em tal situação o homem continua bom fundamentalmente, mas está dividido e necessita do socorro da graça para encontrar o caminho do bem e de seu fim último que é Deus. Por outras palavras, a natureza humana vulnerada pelo pecado, necessita ser redimida.
Cristo, contudo, assumiu a natureza humana não só para redimi-la do pecado, mas também para tornar-se modelo de um novo homem que supera a desagregação íntima em que vive desde sua queda. Este trabalho pascal de configuração ao Cristo e restauração de sua harmonia interior é possível mediante as graças que Ele mesmo obteve por nós com seu sacrifício na cruz. A cada um resta a tarefa de, com o auxílio da graça, tornar efetiva em si a redenção trazida pelo Cristo. É precisamente nesta perspectiva que deve ser avaliada a fase da ascese ou mortificação. Segundo o Evangelho, não há redenção sem esforço e cruz cotidiana, a mortificação encontra seu lugar na vida do cristão enquanto parte dessa tarefa de construir em nós o homem novo à imagem de Cristo, chamado por São Paulo de Novo Adão.
Portanto, o papel da ascese ou mortificação, longe de ser negativo ou destrutivo, é antes positivo e construtivo, pois busca a renovação interior e profunda do homem, de maneira a dar-lhe uma nova beleza fundada no reencontro da harmonia perdida e na configuração ao Cristo. Como no mistério pascal, a mortificação de ser morte que gera a vida.
Pe. Agostinho Maria, FMDJ
Fonte: “ Nada antepor ao amor de Cristo (RB 4, 21); Uma apresentação atual dos valores da tradição monástica beneditina e cisterciense – Diretório espiritual dos monges e monjas da Ordem Cisterciense no Brasil. Edições: Lumen Christi, 2003 ; Editora MUSA.