Sacerdote no Brasil.
Nono suicídio sacerdote no Brasil em 2021:
o texto comovente de um padre viraliza nas redes católicas
“Até quando?”, pergunta o padre. “Por que continuamos inertes?”
A preocupante realidade do suicídio entre padres chamou a atenção esta semana no Brasil, e vários padres e religiosos têm se manifestado nesse sentido nas redes sociais.
Um dos comentários mais fortes sobre a gravidade desse panorama e sobre a falta de acompanhamento e apoio aos padres em seus momentos de maior fragilidade emocional está circulando nas redes sociais, atribuída ao Padre Simeão do Espírito Santo. O texto foi compartilhado por dezenas de padres católicos, religiosos e leigos.
Refletindo a opinião pessoal do autor, o comentário é fortemente crítico de certos aspectos das estruturas institucionais da Igreja, e os coloca em questão porque, em sua opinião, não oferecem proximidade, fraternidade e solidariedade suficientes aos padres no Brasil, especialmente diante do drama do suicídio de sacerdotes.
O Papa Francisco sempre reiterou que a Igreja não é apenas toda a sua estrutura, mas o Corpo de Cristo, do qual somos todos membros misticamente vivos. O Pontífice também alerta para o risco de que mesmo dentro da Igreja a “cultura do desperdício” seja incorrida. Tendo essa referência em mente, é importante levar em conta a explosão atribuída a p. Simeão do Espírito Santo que promoverá um debate objetivo e transparente sobre seu conteúdo.
O documento
Aqui está o comentário que é compartilhado nas redes sociais católicas sobre suicídio sacerdotal e contextos relacionados:
“Não sei mais o que escrever, não sei como expressar a dor que sinto quando recebo a notícia do suicídio de outro padre. Orar e escrever me ajudam, mas ainda não é suficiente…
Estamos no início de novembro, e o suicídio do padre José Alves é o nono este ano [só no Brasil] …
Cada padre que tirou a própria vida este ano tinha um rosto uma história, um sofrimento, uma dor, uma vocação, um sonho. O que eles estavam perdendo? O que não foi feito por esses irmãos? Onde erramos? Até onde a responsabilidade pessoal vai? Existe uma responsabilidade eclesial? Por que os sacerdotes continuam se matando? Quantos mais terão que morrer para a Igreja Católica no Brasil acordar? Por que continuamos inertes, indiferentes e omissivos? Os suicídios sacerdotais em série no Brasil revelam, em parte, a doença, a ineficiência e a hipocrisia da estrutura clerical.”
Suicídio sacerdotal e o caso do Padre José Alves
O texto de p. Simeão então trata do caso do padre José Alves, encontrado morto neste domingo. Informações divulgadas a nível oficial indicam que as causas da morte estão sendo investigadas, mas desde segunda-feira circulam informações de que seria mais um caso de suicídio sacerdotal.
O texto de p. Simeão também aborda o problema das denúncias não verificadas de abuso sexual perpetradas pelos padres e como lidar com eles durante o processo de investigação necessário, até que ainda se esteja certo da veracidade das denúncias:
“A diocese de Bom Jesus do Gurgueia havia recebido uma acusação contra o Padre José. A queixa dizia respeito ao abuso sexual de uma menor. Nada foi confirmado. O padre foi suspenso das ordens “ad cautelam” no dia 6, por meio de um decreto. Sabemos que depois de centenas de casos de pedofilia no mundo, do Papa Bento XVI e agora com o Papa Francisco, a cultura do silêncio está quebrada e as orientações são muito claras. O bispo da diocese pode ter aplicado a lei, e somente com a denúncia de acusação (mesmo que ainda não tivesse sido comprovada) o padre havia sido suspenso.
Irmãos padres, qualquer padre pode se encontrar em uma situação semelhante. Qualquer reclamação, mesmo sem provas, que chegue ao bispo diocesano pode resultar na mesma suspensão recebida do Padre José. Penso em irmãos que conheci e que foram suspensos sem poder fazer nada. Irmãos que foram e sempre foram inocentes. Temos um caso de suicídio aqui no Brasil, em 2013, de um religioso que, tendo sido injustamente acusado, não suportaria o peso desse sofrimento e se enforcou em seu quarto com seu cinto. Quantos de nós foram acusados de ânimo leve!
Padre José foi encontrado morto em sua casa paroquial neste domingo. Eu me pergunto: a diocese ou o ministério sacerdotal estava cuidando dele depois da suspensão? Se ele não podia mais comemorar, por que ele permaneceu sozinho na casa? Existe algum acompanhamento jurídico, psicológico, espiritual, episcopal ou presbiteral para padres suspensos ‘ad cautelam’? “
Aspectos organizacionais e institucionais da Igreja
O texto de p. Simeão então questiona a atitude de uma parte da Igreja do ponto de vista organizacional, evocando os alertas recorrentes do Papa Francisco sobre a necessidade de superar rigidez estruturais quando não ajudam a Igreja a ser Igreja, tanto no contexto do suicídio sacerdotal quanto em relação a outros aspectos da relação entre as pessoas. Eis o que o texto diz:
“Antes de sua morte, padre José escreveu em suas redes sociais ‘Eu amo a Igreja’. Ah, irmão padre, eu entendo o seu depoimento. Ouvimos isso o tempo todo no seminário, certo? Nós amamos a Igreja, padre, mas a grande verdade é que a Igreja não nos ama. O único que nos ama é Cristo, Chefe e Cônjuge da Igreja.
Na vida de cada padre deve chegar um momento em que ele estará sozinho. Teremos apenas Jesus! E mesmo que Ele seja suficiente para nós, quando formos abandonados, esquecidos e alguns de nós caluniados e acusados por bispos, sacerdotes e leigos, teremos que pensar em nós mesmos.
Suicídio não vale o martírio, irmãos padres! Eu sei, porque eu sinto que muitos padres pensam em tirar suas próprias vidas. Em um país latino-americano próximo, padres estão tirando suas vidas em massa, mas esta não é a resposta. Este não é o caminho! Faço uma confissão pública: em um momento de extremo sofrimento, há três ou quatro anos, quando pedi um período de afastamento do exercício do ministério e também pensei na morte, cheguei a essa conclusão: “Um padre vivo é melhor que um pai morto“. Sempre seremos padres, em exercício ou não. O pai é outra história…
Por favor, irmãos, pensem em vocês mesmos! Parem de pensar primeiro na Igreja! Na estrutura da Igreja Romana no Brasil não há tempo ou prioridade para o cuidado sacerdotal.
Somos empresários e colaboradores da veste talar. Amar a Igreja não é suficiente. Isso por si só não é suficiente para permanecer vivo diante dos inúmeros desafios sacerdotais que desta vez nos impõe. O máximo que a Igreja pode fazer é rezar por nós. Ela mal acolhe, raramente escuta, não sabe como curar, não tem um momento para amar. Ela não nos procura como crianças; a Igreja dificilmente vai ajudá-lo. Comunica-se conosco através de decretos, documentos, disposições e excomunhões. Os bispos agora mudam nossa paróquia via WhatsApp ou telefone. Padres tornaram-se funcionários da mitra diocesana. Eles são conhecidos pelos números do número do código tributário das paróquias que administram. Para você, são suficientes as cartas da Cúria. Os envelopes das campanhas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o número da conta do bispo para os óbolos serão suficientes… Quanto vale a vida e a história de um padre? O que está escrito no Código da Lei Canônica! Mais do que o Evangelho. É punitivo. O último cânone nunca é aplicado na vida do padre! Um padre que ainda não cometeu suicídio, continue a amar a Igreja, mas por favor, ame-se primeiro. Se algo acontecer com você, justa ou injustamente, você tem uma grande chance de ser deixado de lado através de um decreto frio e impessoal. Ame Jesus! Fale com Ele! Não espere que o bispo pergunte como você está. Não crie expectativas sobre a fraternidade sacerdotal. Ela existe, mas na maioria dos clérigos permanece no papel. Amado! Ame-se primeiro. Amem-se um ao outro antes de amar os superiores e os irmãos sacerdotes. Lembre-se que haverá um tempo em que haverá apenas você e Ele. Todos vão abandoná-lo. As acusações e o que eles podem escrever sobre você nas redes valerão talvez mais do que qualquer coisa que Deus lhe deu a graça de realizar fielmente em todos os seus anos de ministério. Os conselhos presbiterianos nem sequer o conhecerão. Para a maioria deles você já está morto…
Ah, irmão padre, não se mate. Não seja o décimo na lista de 2021! Sabia que nenhum dos moradores comuns dos outros nove disse nada? Se você se matar, no dia seguinte alguém será enviado para sua casa. Você será lembrado apenas nas missas que alguém marcará em seu nome. Depois de alguns dias, Instagram e Facebook não falarão mais sobre você. Foi assim com padre Ruben, Adriano Henrique, Milton, Marco Antônio, Mauro Jorge… e todo esse ano. E todos celebraram, usaram a estola, absolveram pecados, batizaram e testemunharam casamentos.”
Suicídio sacerdote: “Não seja o décimo”
O texto assinado por p. Simeão, então, passa a exortar os padres a procurarem ajuda quando sentem a tentação de acabar com suas vidas:
“Padre, não seja o décimo… Peça férias, um ano sabático. Vá para a casa de seus pais. Deixe a paróquia. Você não vai morrer de fome. Sou testemunha disso. Peça transferência da paróquia ou da diocese. Procure vida religiosa ou incardina-se em uma diocese. Mude ritual, tradição. Mudar de país. Vá em uma missão, mas não se mate. Sua morte não será útil. Para alguns bispos será apenas um “problema”. A maioria dos padres nem se lembrará de você quando seu nome for removido do anuário ou do site da diocese.
Padre, por favor, não se mate pelo amor da Igreja. Essa Igreja não merece nossa morte. Precisa de nossa vida, mesmo que seja escondida e insignificante para o alto clero. Não diga “sim” aos homens, diga “Sim” a Deus! Mude de estado ou até mesmo estado de vida, mas por favor, não se mate.
O Papa Francisco nunca saberá a verdade. A nunciatura não vai ajudá-lo. Se um dia a Conferência dos Bispos fizer algo pensando em potenciais padres suicidas, você será apenas um número do passado. Amado, padre!
Padre, procure ajuda. Se seu bispo não quiser ajudá-lo, chame um padre. Vá a um confessor, procure um diretor. Vá ao médico. Por favor, comece uma terapia. Temos muitos padres e psicólogos consagrados. Reze, padre, mas amado. Alimente-se, divirta-se, durma, Não espere ajuda de fora. Comece com você mesmo. Mude por dentro. Ame sua humanidade e ministério sacerdotal. Deixe seu celular e vá rezar. Leia, padre. Confesse, pai. Vá ao hospital e brinque com as crianças, visite casais, ouça os idosos, fique na frente do tabernáculo. Não se mate. Não compre medicamentos ou cordas. Não acabe com sua vida antes do tempo.
O Bom Pastor quer você vivo. E lembre-se da oração: “Na hora da morte, me ligue e deixe-me vir à Sua Presença“. Não saia com antecedência, não antecipe nem um dia. Nós precisamos de você. Ele te ama! Ele te amou e sempre te amará. E se um dia eu tiver um lugar aqui para recebê-lo, venha até mim. Prometo cuidar de você junto com irmãos que te receberão e te amarão. Não se mate, padre, não seja o décimo, por favor!
Virgem Abençoada, coloque sua mão nessa lista e a exclua, por favor. Maria, Mãe dos Padres, rasga a lista de padres suicidas no Brasil. Agora e na hora da nossa morte. Amém! ”
Padre Simeão do Espírito Santo
Novembro de 2021